quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Coração disparado


Eu decidi sumir. Desesperado eu decidi que não queria mais existir. Naquele momento eu era incapaz de sentir meu coração de tão rápido que ele batia. Acelerado, ele me trazia a incerteza. Nada era certo. A mesma boca que dizia que me amava, era a mesma que me odiava e eu, tolo sempre acreditava. Quantas vezes não me peguei no meio da madrugada recolhendo os cacos que meu coração deixava ao lado da cama?! Depois de uma noite de devaneios e culpas jogadas em mim por mim mesmo, eu afundava. A cada decepção você cresce ou afunda um pouco mais. Tive um pouco dos dois e a parte mais difícil era me despedir de algo que eu não queria me despedir. Esse sentimento não me fazia bem, mas fazia meu coração disparar, o estômago tremer, a garganta secar e o coração acelerar, de novo. O medo é a parte mais sombria do ser humano. Ele acorda cada canto do seu corpo e te faz fazer coisas que são você jamais faria. 
Às vezes é preciso perder pra poder ganhar. Deixar para traz algo que momentaneamente te faz bem, mas que te põe em corda bamba e a luta do cérebro com o coração é constante! Eu olho nos seus olhos e não consigo mais sentir nada, pois meu coração está acelerado. Não consigo te ouvir pois minha respiração está ofegante. Eu penso em você, mas não consigo te ver, pois estou tremulo. Minha cabeça gira e dança quando não deveria dançar. Esse é meu adeus. Não posso dizer até breve, pois a incerteza do amanhã me amedronta. E o coração dispara novamente.

A melhor parte de mim é quando tenho você. A calma, o cheiro doce de girassóis do campo, a brisa sobre meus cabelos estão sobre mim quando se trata de você. E quando se trata de você, meu coração também dispara. Impetuoso, nada pode me parar. Me torno meu pior inimigo. Nada faz sentido a não ser caminhar descalço em brasas para chegar até você. Eu venho caminhando esse tempo todo esperando você me ver e me notar, mas você não está mais aqui de mãos dadas comigo e por isso meu coração dispara.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

"Somebody said you got a new friend 
but does she love you better than I can?
There's a big black sky over my town 

and I know where you're at.
I bet he's around and yeah I know it's stupid,
but I just got to see it for myself.
I'm in the corner, watching you kiss him

and I'm right over here, why can't you see me.
I'm givin' it my all but I'm not the guy you're takin' home 

and I keep dancing on my own."

Querido Diário - Parte 1

Era verão, mas fazia frio. As folhas não estavam nas árvores, nem no chão. Poucos pássaros cantavam e o vento frio do oeste fazia barulho entre as janelas. Bati a porta e joguei-me na cama de molas macias de peito virado para o teto. A angustia me incomodava como um nó apertado na garganta. Nada parecia no lugar. Na verdade tudo que eu via a minha frente era o caos. Quando me sentia fechado, preso a algo bom que não me fazia bem, percebia que a vontade de voar era maior que a possibilidade de mudar. Lembro-me de caminhar à margem das ondas pedindo para que algo mudasse, eu queria que as coisas fossem melhores, talvez diferentes. Em resposta, o vento e o cheiro do mar me traziam paz e eu sabia que tudo ficaria bem outra vez. Eu estava em casa, como andorinhas de volta ao ninho, mas tudo ainda era estranho. Tudo era muito recente. A paz vinha e voltava como as ondas do mar agitado. Por horas eu ficava ali sentado tentando ouvir alguma resposta de mim mesmo, mas eu não conseguia pensar em nada. Dúvidas e mais dúvidas me sufocavam a cada segundo. Esse sentimento fazia com que a paz fosse uma onda que vinha e não voltava, estabelecia território ali na minha mente que não conseguia se desligar. Quando eu me sentia sozinho, percebia que a beleza que me diziam ter, de nada valia. Ela era um presente dado a mim e que seu valor só cabia a mim mesmo. Era intransferível. Não era moeda de troca. Não comprava felicidade, não comprava a paz, mas abria portas. Portas a beira de precipícios e dar mais um passo era escolha só minha. Percebi que ser alguém melhor fazia com que essa beleza fosse um detalhe a mais, algo como uma carta na manga e não a parte mais importante de mim. Carregar a beleza e sentir-se sozinho era quase que um ultraje, pensava eu. De que adiantava? Percebi que estar sozinho era um fardo a se carregar e que enquanto eu não aceitasse esse fardo, ele só me traria dor e cansaço.
Quando eu achava que estava apaixonado, entendia muito mais sobre meu lado escuro do que sobre o amor. Esquecia, por vezes, de mim mesmo em prol de outrem. O principal não deveria ficar de lado, mas ficava, estático, até que algo em minha mente despertasse para a realidade e o fim trágico chegava. O sofrimento não durava muito, mas tempo suficiente para me ensinar algo. Nada nem ninguém nunca ia superar a forma com que eu achava merecer ser tratado. Fui ensinado que eu mereço sempre mais. Talvez eu só estivesse escolhendo errado ou me precipitando. A intensidade caminhava ao meu lado como o vento. Eu não a via, não a podia tocar, mas sabia que estava sempre ali presente. Eu, explosivo como um vulcão e intenso como uma aurora boreal. Esse excesso de liberdade e de intensidade talvez afastasse as pessoas, que rasas, acabavam sempre se tornando uma decepção.
Então o sol nasceu. Os raios passavam pelas frestas da janela e eu percebi que não havia pregado o olho. As horas passaram tão depressa que as lagrimas secaram mais rápido que o sereno que caíra durante a madrugada. 
"Um fogo 
devora um 
outro fogo. 
Uma dor 
de angústia 
cura-se 
com outra."

Destino

Sentado em uma cadeira branca com borboletas pretas, em frente à janela eu sentia o vento e o observava. Nada parecia igual, mas era novo. Um frescor de roupa nova ecoava de suas palavras. Tudo se encaixava desde que estivéssemos ali naquele mundo criado por nós e para nós. No meio do caos ele fazia sentido, era meu momento de lucidez. Mesmo no mundo real ele fazia mais sentido. A energia e o cheiro de roupa nova entravam em minhas narinas e me viciavam. Qualquer minuto sem seu cheiro era desesperador. Era extinto. Era destino.
No primeiro momento apenas o observava como um pintor renascentista observa sua nova obra recém finalizada. Seu cabelo levantado para trás, sua barba cautelosamente desenhada no tom de loiro carmim dava espaço para seus lábios rosados e delicadamente esculpidos. Seu nariz pouco achatado carregava um adorno metálico que me lembrava uma ferradura no tamanho perfeito, mas nada disso se comparava seus olhos. Eram como malas de viagem azul-acinzentadas que carregavam paixão, sonhos, ternura e muito sacrifício. Sacrifício por tudo que ele acreditava. Era desumano. Um espécime único.  E eu, um mero humano, não conseguia parar de observá-lo. Nem nos meus melhores sonhos eu havia visto algo como ele.
No segundo momento eu comecei a decifra-lo e a entende-lo. Sua energia percorria milhares de quilômetros e podia ser tocada como se estivesse em minha frente, imposta. Meus olhos se dividiam entre a visão da janela afora e a imagem daquele ser. Nada precisava ser feito, tudo se encaixava naturalmente como o abraço que só existia em meus pensamentos. Fechar os olhos era conseguir vê-lo e  senti-lo.
Ele não precisava me tocar. O fato do meu cérebro criar ilusões de que ele estava ali comigo, me faziam sentir uma sensação gostosa na barriga, como se ela estivesse vazia e ao mesmo tempo com vida própria. Nos meus pensamentos ele era imperfeito, mas feito para mim. Uma chama acesa e flamejando, me hipnotizando e me devolvendo à realidade outrora.
Qual a intensidade que vinte e quatro horas podem te provocar? Talvez o suficiente para saber que era o que eu queria sentir todos os dias. Eu só queria ser invisível estar ali ao seu lado, ser um anjo da guarda da vida real. Observá-lo em seu trabalho, o acompanhar até chegar em casa, o ver dormindo e satisfazer-me vendo ele bem e seguro. Mas se eu me fizesse real, talvez poderia me sentir em casa em seus braços.
Eu nunca entendi o destino, mas nunca deixei de acreditar que ele já cuidou de tudo. Tudo já estava escrito e preparado. Ninguém acontece por acaso. Talvez tudo já esteja ensaiado e eu ensaiei a frase certa pra dizer que nada pode te afastar de mim se o meu pensamento está em você. E está. É destino.

sábado, 30 de abril de 2016

Olinad Olem

Uma tatuagem que se misturava a sua pele e seus ombros largos. Sua barba espetada e macia se juntavam majestosamente ao seu sorriso desajeitado. Seus olhos atentos e cerrados, suas mãos grandes, firmes e macias e seus lábios esculpidos e encapados com seda me deixavam ali paralisado. Nem preciso falar sobre seu gosto também. Cada milimetro do seu corpo era quente e me trazia a sensação de estar em casa. Eu sentia calma, paz e felicidade. Uma felicidade adormecida e já esquecida. Alguém já conseguiu explicar o inexplicável? As palavras já não faziam mais sentido pra mim. Eu o observava dias a fio em fotografias, mas nunca tinha sentido sua presença. Parecia um sonho tao distante, uma tentativa obviamente frustrada.  Aquele humano era como uma armadilha. Parecia meticulosamente fabricado para atrair inocentes tolos às suas águas aparentemente tranquilas. Em segundos eu me perdia em suas correntezas e de repente eu já o estava tocando outra vez. Seu cheiro ainda estava presente em mim. De todos os aromas, o da sua pele era o mais notado. Seu cheiro era a combustão que me fazia efervescer. Cada vez que lembrava de seu toque, da sua pele quente, do seu gosto que jamais saíra da minha boca, eu efervescia. Algo em mim crescia gradativamente até transbordar. Uma mistura de vicio e armadilha. Estar ao seu lado e não o tocar era quase um desafio. Ele me atraia de uma forma inexplicável. Era uma sensação que eu ainda não havia experimentado.  “Se eu falar bem devagar, se eu tentar de verdade, fazê-lo entender querido que você tem meu coração. Aqui vou eu te dizer aquilo que você já sabe. Eu farei de você uma estrela no meu universo. Você nunca terá de trabalhar. Você passará todos os dias iluminando meu caminho. Se eu falar bem devagar, se eu segurar a sua mão, se eu olhar bem perto, você poderá entender. Aqui vou eu e vou dizer aquilo que você já sabe..”

sábado, 23 de abril de 2016

Porta Retrato

Um porta retrato branco moldado e esculpido a mão. Creio que ele havia sido feito antes de eu existir e isso o tornava ainda mais incrível. Meus olhos o observam fixamente por longos instantes. Sentado na cadeira de madeira maciça cor de vinho me pego observando tudo ao meu redor. Juro que posso ouvir e sentir o cheiro de cada som. Quatro cantos brancos acinzentados. Cores perdidas pelo tempo. Lá fora chove. Pela fresta na janela cada gota de chuva ecoa acompanhada pelo vento de inverno que balança a cortina bege corroída. Olho para o outro lado e vejo uma fresta de luz que invade o cômodo e o cheiro de mofo. Uma luz amarelada e fraca já quase apagada. É só o que se vê marcando e acentuando o carpete quase nunca pisado. O cheiro da Madeira velha, do mofo e da terra molhada entram em minhas narinas desesperadas naquele instante. Vinte e dois. Vinte e dois fios de cabelo pelo chão. Tenho tempo o suficiente para dividir meu cérebro em varias partes o fazendo olhar para dentro de mim e contar fio por fio. Não parecem ser meus, mas minha presença aqui é única. Eu não estou sozinho. Há mais alguém, mas ainda assim é unica. Eu sinto o calor de sua presença emaranhada entre lençóis de seda e o travesseiro de puro algodão. Seu cheiro e sua presença são inconfundíveis. Uma presença adormecida após uma noite inteira de muito suor, êxtase e calafrios. Salivo e  por um instante sinto seu gosto. Seu corpo ainda percorre cada papila gustativa em minha língua. Eu havia estado junto a ele no emaranhado, mas neste momento eu observo cada detalhe presente. Essa sensação de corpo adormecido e extasiado não sai de mim. Me levanto, pego uma carteira de cigarro e só aí noto que como "ele" eu também estou nu. A sensação de liberdade acordou. Caminho silenciosamente até a janela, pego o isqueiro e acendo um cigarro. Meu pulmão vai se abrindo para cada milímetro de fumaça entrar. A fumaça vai se desfazendo entre o vento e as gotas de chuva. A mistura do êxtase, do suor, da nicotina e do meu cérebro pulsando a mil me fazem flamejar. Talvez eu tenha criado essa palavra, mas é a mais próxima comparação possível. Me viro novamente para a janela e fico ali esquecendo de tudo e de todos e deixando todos esses detalhes entrarem em meu corpo e fazerem parte de mim. O calor aumenta e posso sentir seu corpo se juntando perfeitamente ao meu. Seus braços me envolvendo e sua boca tocando a minha nuca. Meu pescoço absorve sua respiração cerrada. O som de sua respiração me fazem querer estar sempre vivo, sempre ali misturado a sua pele e o mofo do quarto. A cada deslizar de suas mãos, uma parte de mim acorda e flameja. Agora estou aqui paralisado, tentando desligar meu cérebro e deixar ligado cada sentido em meu corpo. Quero ouvir, sentir e presenciar tudo ali. Um momento simples, mas único. Um instante eternizado na memória como as antigas fotografias do porta retrato branco.

domingo, 11 de agosto de 2013

Destiny

Rir, um estado de espirito necessário nesse exato momento. Se eu não achasse o minimo de graça em tudo, com certeza minha vida iria sucumbir e eu iria junto com ela. Nao era algo novo, era rotineiro. A ausência e a frieza das pessoas me afastavam cada vez mais de mim mesmo. Eu já não sabia se era eu quem já não era uma boa pessoa ou se os costumes desse lugar haviam tornado as pessoas secas. Treinei tantos sorrisos frente ao espelho que eu já conseguia enganar as pessoas. Eu carregava comigo um ar de ‘’esta tudo bem’’, mas na verdade, tudo ia de mal a pior. E o pior, na verdade, nem era o pior. Eu ainda tinha que enfrentar a mim mesmo e esse era, sem duvidas, o meu pior desafio. É difícil encarar a realidade nua e crua, ainda mais quando seus olhos insistem em não enxergar. Eu já fingia um padrão de ser humano que o sistema queria e todos acreditavam. As barreiras impostas por mim para que ninguém se aproximasse, estavam intactas. Eu estava amarrado a conceitos e tradições, eu não era eu mesmo. Olhar para o espelho e encarar a mim mesmo chegava a ser um nível muito acima do que eu conseguiria chegar. Talvez se eu seguisse esses padrões, as coisas correriam tudo bem, porque o que eu pensava sobre tudo isso e sobre mim mesmo já não tinha voz.
‘’Uma fogueira já quase apagada, uma chama que se apagou antes do luar’’. Desde que ouvi essa frase, passei a me identificar com ela a cada dia vazio que eu vivia e a cada momento de reflexão, eu via que ela tinha realmente sido escrita pra mim. A palavra acreditar havia sido retirada do meu contexto.  Uma AURA apagada por uma ausência. Adoecer era tudo que me restava. A doença na alma chega a ser pior que a doença do corpo. Nao há remédio, não há tratamento. O lugar vazio continua ali, inerte e os pensamentos vem.. hora positivos, hora negativos. A cada deitar, eu via o mesmo sonho, o mesmo sentimento e o acordar era desesperador. Aquele sentimento que eu tentei sufocar, que eu jurei não mais sentir, veio com a força de um terremoto em gigante escala. Meu eu desmoronou aceitando de volta esse sentimento. O que eu podia fazer? Aceitar o fato. O amor preencheu o vazio no meu coração, mas a alma, continuava morrendo e nada podia salvá-la. Eu já servia só como capa para uma alma corroída e machucada pelo amor. Eu o via todos os dias no meu sonho.. ou não, mas eu o via. Quando aquele momento acabava, eu continuava parado ali, olhando pro nada, não pensando em nada, só com a visão do seu sorriso na mente. A cada sorriso que eu não podia ver, a cada beijo que eu não podia sentir, a cada abraço que eu não podia ter, minha alma morria. Nao sei quantas vidas restam a ela, mas eu creio que já não sejam muitas.

Hoje, eu sei. Sei de tudo. Nao precisei ler, ouvir, só me esforçar para acreditar. Quando percebi que tudo daria certo, mesmo não estando tudo certo, consegui defini-lo. ‘’Um acontecimento inevitável relacionado a uma ordem cósmica e natural, da qual NADA que existe pode escapar.’’ Ou seja, DESTINO.

domingo, 14 de julho de 2013

Nebraska

Só havia um lugar que eu queria estar naquele momento. Era um lugar já visto varias vezes, mas em forma real eu nunca havia estado lá. Era uma estrada de chão, sem nenhum atrativo, só com milharais enormes como paisagem. Esse lugar, que me arrepiou e me fez chorar tantas vezes, era um lugar deserto, mas mágico. Havia alguma coisa naquele lugar... Alguma coisa, principalmente, sobre mim. Lá, eu tinha impressão de ser minha casa. Esse lugar fazia-me lembrar de tudo o que passei, tudo o que fiz e tudo que eu sou, se é que eu sei quem sou. Nos meus sonhos, que pareciam reais, eu estava lá. Juro que ainda posso ouvir o barulho dos pássaros, do vento batendo no milharal e o barulho dos meus pés amassando aquele chão de pedras. Nesse sonho, me via parado no meio daquela estrada, sentindo o vento em meu rosto, quando de repente, senti uma mão se entrelaçando nas minhas. Senti aquele cheiro e aquela pele que eu já havia sentido antes. Eu sabia quem era e por isso não tirei os olhos da estrada. Com aquela pessoa, eu me sentia bem ali. Mal sabia ela que tinha meu coração e minha alma em suas mãos. E mal sabia eu que essa era a minha pior escolha. Na verdade, não era uma escolha. Eu não tinha saída além de esperar o fim trágico daquele sonho.

Um caminho, um grito sufocado de desapego. A essa altura da vida, meu coração recusava cada gota de gentileza, de carinho e de afeto. Me enojava. Era como um nó no meio da garganta. Aquilo me incomodava só de ouvir. O som dessas palavras carinhosas tinha uma cor branca. Cor de crânios. Era o mais próximo que eu conseguia comparar. E o cheiro? Cheiro de lodo molhado e frio. Um cheiro que me provocava calafrios e faziam meus pelos voarem a ponto de quase saírem de meu corpo. Nada me faria querer provar aquele sentimento outra vez. Nada nem ninguém. Ninguém merecia o gosto salgado das minhas lágrimas. A distância matou todas as vãs tentativas de reascender essa chama quase apagada em mim, mas havia música. No meio de toda confusão e tragédia, ela sempre estava lá. E sempre esteve aqui também. Não há nada no mundo capaz de me fazer sentir o que a música faz. Sempre odiei as pessoas que associam músicas umas as outras. Algo tão magnífico assim não merecia ser comparado a simples humanos, pensava eu. Ela era maior, era grandiosa. As pessoas (tolas) sempre escolhem as melhores músicas para lembrar de alguém. E eu? Eu era o pior dos tolos. Sempre associava músicas a pessoas, momentos e à minha vida. Deixei de ouvir inúmeras músicas incríveis por lembrar-me de pessoas que nem estavam mais em minha vida. Pessoas que já não valiam à pena. Ela brotava de uma fonte em mim, que mal sabia eu que existia. Não tive a sorte de nascer num berço musical, mas isso não me impediu de me apaixonar por ela.
Saudades. Era a única coisa que eu sentia. Não só da pessoa, mas do momento, da estrada, do vento... de algo que nem real era. Não houve um segundo que eu não tivesse pensado nela. Havia alguma coisa naquela estrada sobre nos dois, alguma coisa que me fazia querer viver aquele momento todos os dias. Era único e mágico como o que eu sentia. Nada me sobrou, nada além da ausência. Meu cérebro corrigia as linhas que o meu coração escrevia. Eu não deveria sentir saudades, eu não deveria me importar. Eu deveria só seguir em frente e então me vi naquela estrada, sozinho outra vez. Venho me mantendo nessa estrada, pois nela é meu lugar e eu sinto que como da primeira vez, uma mão vai se entrelaçar na minha e que dessa vez vai ser pra sempre, um pra sempre que não cabe a mim detalhar.

sábado, 2 de março de 2013

Transcedental

Estava eu de volta a minha cidade natal. Entrei no bar e ao sentar-me no meu velho lugar onde todos sabiam que era meu, pedi um Martini Rosato. Eu adorava o vermelho daquela bebida, pois ele me lembrava sangue, fogo e paixão, substancias sobrenaturalmente poderosas. No primeiro gole, olhei a minha volta e vi o quanto as coisas haviam mudado. Não existiam mais os jovens felizes bebendo e comemorando a entrada na faculdade ou os motoqueiros tatuados e com suas jaquetas de couro que refletiam toda a luz ambiente. Ao meu redor só haviam velhos bêbados jogados no chão. Os que ainda estavam em pé ou ainda não haviam chegado no máximo de álcool no sangue ou estavam brigando por um copo de alguma bebida extra forte. Haviam uns quadros na parede onde se podia ver a inauguração do bar e algumas flores esquecidas e espalhadas pelo bar na tentativa de dar um pouco de vida ao ambiente. E havia eu ali no meio de todo aquele “lixo”. Quem dera eu estar ali no lugar de um deles – pensava eu. Minha vida desmoronava a cada dia e tudo o que eu mais queria era acabar de vez com tudo, mas eu me segurava no ultimo gole ardente de esperança que me rasgaria a garganta.
A minha mágoa e sede de vingança acumulada pelo tempo era tão grande que me fizera voltar ao início de tudo, voltar a cidade e ao principio de todo esse pesadelo que eu chamava de vida. Voltei por não conseguir esquecer tudo o que me haviam dito e feito. Na verdade, eu ate conseguiria conviver com isso tudo, mas tirar a minha felicidade e liberdade, ninguém tinha o direito. Eu estava sozinho, sem nenhuma mão amiga por perto. Eramos o mundo e eu, numa guerra onde apenas um de nós sobreviveria: o mais forte. Quem era eu? Eu era apenas um fraco sonhador cego e sem rumo. Eu ate sabia que era capaz de mais e que meus sonhos eram bem maiores que tudo, mas eles estavam amarrados. Era como um cantor incrível, digno de lotar shows trabalhando como um simples encaixotador em uma loja de departamentos , como uma joia enterrada, impedida de brilhar. Eu não era ninguém além do comodismo.
De repente vi uma mulher feia, acabada pelo tempo e pela idade. Lhe faltavam alguns dentes e seu cabelo estava em péssimo estado. Ela era a garçonete, uma garçonete que condizia com aquele lugar. Ela colocou um papel no mural do bar com a cara de quem fora obrigada a colocar ele ali. Eu até a entendo, pois quem frequentava aquela espelunca, além dos bêbados cambaleantes que eram incapazes ate de ler o rotulo de suas próprias bebidas? Fiquei curioso e fui ver o que havia escrito naquele papel. Para a minha surpresa era uma pequena luz de esperança. Uma cantora incrível que eu adorava estava vindo de muito longe e se apresentaria naquela noite. Era uma oportunidade única na minha vida! Era claro aos meus olhos que eu estaria la. Nada me impediria de ir. Nada a não ser minha distração. Eu havia ficado tão entretido sonhando com aquele cartaz que não notei quando roubaram minha carteira. A aquela altura, o bar já estava vazio.
Percorri todos os poucos bolsos que haviam em minhas roupas e percebi que eu tinha apenas uns trocados que dava para pagar o que eu havia consumido e talvez um prato básico de comida. Naquele momento, toda aquela faísca de esperança e felicidade se apagou. Tiraram meu tapete e abaixo dele não havia chão, só um enorme e escuro vazio como meu coração, ali. Já havia perdido meu grande amor, sido afastado de todos que amava e agora ficar também sem o que eu mais desejava? Era demais pra mim. Era demais pra um jovem solitário. Era completamente inaceitável. Era uma fagulha! Uma fagulha capaz de ascender e transcender toda a raiva, ódio e rebeldia acumulada. Eu só pensava em fazer coisas ruins. Não com todos, mas comigo mesmo. Afinal, a pequena e quase imperceptível parte de sanidade que ainda havia em mim me dizia que o mundo não tinha culpa e que o único a ser castigado era eu mesmo. Levantei-me, apoiei-me no balcão do bar e de cabeça baixa dei o ultimo gole em meu Martini. Virei-me e fui de encontro a porta e prometi a mim mesmo que nada mais importava. Prometi que eu pagaria todos os pecados e que iria ate o fim com isso, sem me importar com nada, pois nada era tudo o que eu tinha.
Quando minha mão tocou a maçaneta da porta, soltei um grito rude e rouco, seguido de uma lágrima e libertei a fera que dormia dentro de mim. Juro que naquele momento pude ver no reflexo do vidro da porta do bar meu rosto mudando fria e drasticamente sua forma e meus olhos se avermelhando. Eu estava tomado de raiva e cego de revolta.
Saí dali sabendo que eu não poderia mais ser salvo de mim mesmo, pois esse labirinto não tinha volta. Depois de experimentar o gosto da liberdade, impetuosidade e rebeldia suprema, minha fera interior não descansaria ate fazer meu corpo pagar por todos os anos que ela ficou presa, mesmo que isso levasse a eternidade.